OS EXTREMOS DO ENEM – Muito além das notas
Rosário do Ivaí – Cerca de 20 quilômetros de estrada de terra separam a comunidade rural de Campineiro do Sul do município de Rosário do Ivaí (Norte), onde vivem pouco mais de 5 mil habitantes. O caminho é utilizado por fazendeiros para passagem de gado e também por alunos do colégio rural Campineiro do Sul, que ficou na última colocação entre as escolas estaduais paranaenses classificadas pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) nas provas realizadas em 2014.
Aliás, distância é a palavra que resume a realidade dos moradores e estudantes da comunidade rural. “Escondida” no Vale do Ivaí, Campineiro do Sul fica a aproximadamente 140 quilômetros de Ivaiporã, sede do Núcleo Regional de Educação (NRE). O desempenho no Enem parece um reflexo da distância geográfica. Com a média de 437,32 pontos, o 629º colocado na prova para alunos do 3º ano ficou longe do Colégio da Polícia Militar de Curitiba, que conquistou o primeiro lugar no ranking das escolas estaduais, com a média de 609,09 pontos. A distância entre o colégio e as unidades dos grandes centros também é visível quando se olha para as paredes da escola. A direção do Campineiro do Sul recebe cerca de R$ 770 mensais do governo estadual para manutenção do colégio e já protocolou dois pedidos para pintura do local, o que não foi atendido pela Secretaria Estadual de Educação (Seed).
O distanciamento com a área urbana continua além dos muros da escola quando se trata dos aspectos socioeconômicos. A maioria dos 700 habitantes trabalha na zona rural de Rosário do Ivaí, na pecuária ou na agricultura. Além disso, o colégio Campineiro do Sul é a única escola estadual que aparece com nível socioeconômico “baixo” entre todas as classificadas pelo Enem no Paraná.
No entanto, a distância diminui quando se enxerga a realidade por trás das estatísticas. Em comum com os estudantes dos colégios das grandes cidades, os alunos da zona rural sonham com o curso superior e com um emprego na área da formação profissional. Pedreiro de dia e universitário de noite, Lucas Fulam, ex-aluno do Campineiro do Sul, conseguiu uma bolsa de estudo pelo Programa Universidade Para Todos (Prouni) por meio da nota obtida no Enem em 2011. “Estou no último semestre de Ciências Contábeis e quero começar a trabalhar na minha área a partir do próximo ano. Quero me mudar para Arapongas para procurar emprego nas indústrias da cidade”, projeta o aluno que faz o curso à distância em polo instalado em Rosário do Ivaí. No início do curso, ele lembra que ainda utilizava a estrutura do colégio Campineiro do Sul para fazer atividades e acompanhar as aulas no laboratório de informática. “Agora, tenho um computador em casa com internet”, conta Fulam.
PARTICIPAÇÃO
Apesar da última colocação, o diretor do colégio, Valdino de Souza Freire Júnior, comemorou o resultado da escola que atende 77 alunos, sendo 36 do Ensino Médio. No ano passado, 14 estudantes realizaram o Enem entre os 21 matriculados no 3º ano, o que representa 66,67% de adesão. “O Paraná tem cerca de 2.100 escolas estaduais, sendo que mais da metade não se classificou no Enem. Além disso, ficamos entre os seis colégios classificados no NRE de Ivaiporã. Consideramos ainda mais importante o incentivo da escola para que os alunos façam um curso superior”, comenta. Ele ainda lembra que os alunos enfrentam dificuldades na locomoção de ônibus para realização das provas do Enem em Ivaiporã. “São dois dias de exame e os estudantes vão às 5h30 para a cidade e só voltam às 20h. Alguns desistem no segundo dia”, acrescenta.
Na opinião do diretor, os alunos devem permanecer na comunidade rural após a conclusão do Ensino Médio para fazer universidade na região com o apoio familiar. “Quando o jovem sai muito cedo para a cidade grande corre o risco de enfrentar problemas sociais e até se envolver com drogas por falta de estrutura, principalmente dos pais. Por isso, incentivamos a entrada no curso superior e deixamos a escola disponível para o ex-aluno.”
Formado no colégio Campineiro do Sul, o universitário do curso de história Fernando Pereira de Souza, 20 anos, trabalha em uma propriedade rural e auxilia o pai na produção de vacas leiteiras. “Quero ser professor para trabalhar em Curitiba, onde tenho alguns parentes”, diz. O jovem não conseguiu a bolsa de estudo, mas conta com o apoio da família para pagamento dos estudos, também realizados na unidade à distância em Rosário do Ivaí. “Todos dos dias, o estudo me faz falta e quero que meu filho aprenda uma profissão que ele goste e dê valor”, afirma o pecuarista Adilson Soares. O NRE de Ivaiporã foi procurado para comentar o resultado do colégio Campineiro do Sul no Enem, mas preferiu não se manifestar e afirmou que apenas a Seed poderia prestar esclarecimentos.
Matéria publicada na Folha Web no dia 20 de agosto de 2015